O cantor e compositor tornou-se um escritor para falar de si mesmo e dar detalhes da criação de um movimento tão importante para a cultura brasileira.
Em 1998, o cantor Caetano Veloso publicou um livro no qual conta toda a sua trajetória de vida na juventude e os acontecimentos que o levaram a criar um dos mais importantes movimentos culturais do Brasil no século XX: a Tropicália. Em Verdade Topical, o jovem baiano de Santo Amaro da Purificação - cidade do Recôncavo Baiano - revive histórias de uma adolescência rica de interesses culturais e cheia de sonhos que não incluíam necessariamente a música, mas que foram se materializar justamente através e a partir dela.
O contato com a música era tão natural por conta de todo o interesse na cultura e nas artes que o acompanhavam desde sempre. Porém, o jovem não pensava em ser músico ou cantor. Ao contrário, alimentava o sonho de lecionar e de estudar profundamente as questões humanas. Sujeito sensível em sua existência, queria ser filósofo e como todo humanista tinha interesse interdisciplinar pelo homem, o que passava necessariamente pelas artes.
Nas memórias registradas em palavras que remetem ao final de anos 50, fica evidente que a turma a qual o menino pertencia tinha sede de cultura e na medida do possível buscavam o contato com as artes, o que não era tarefa fácil em cidade do interior, nem por isso impossível. O marco fundamental disso tudo foi a descoberta da Bossa Nova e a explosão de Chega de Saudade que influenciou Caetano despertando uma onda de desejos e buscas que nem ele próprio conhecia.
Com a chegada dos anos 60 e mudanças repentinas e turbulentas - o regime militar, por exemplo - se sucedem diversos fatos que levam o menino despretensioso da Bahia ao mundo da música e a protagonizar momentos marcantes da história cultural do país. Sua participação nos festivais de música e a criação do movimento tropicalista fazem parte de um contexto que não fora planejado ou perseguido, aconteceu de maneira quase espontânea a medida em que Caetano Veloso conhecia pessoas cujos interesses e anseios artísticos o aproximavam e o mergulhavam num universo cada vez mais abrangente: o da cultura.
Na obra ele fala de personagens muito significativas quanto sua irmã Maria Bethânia e sua grande amiga Gal Costa e explica como todos atingiram o sucesso e chegaram a carreira artística: de maneira natural por conta do caminho que trilhavam e com uma certa ajuda do destino, digamos assim. Sua amizade com Gilberto Gil também é relatada de maneira sublime assim como sua aproximação a outros artistas não apenas da música, mas das artes plásticas, do cinema, da poesia e assim por diante.
A Tropicália é fruto de muito estudo, debates e experimentações de artistas em busca de uma identidade cultural brasileira onde se pretendia uma construção que fosse feita a partir de elementos modernos como guitarras elétricas (porque não?) e roupas de plástico. O movimento foi muito incompreendido. Até mesmo os outros artistas do período o interpretaram mal. Era uma busca que não era apenas musical, envolvia outras linguagens artísticas, porém, foi através da música e sua consequente exposição na mídia da época que esse movimento ficou conhecido.
Os tropicalistas (como eram chamados os artistas que aderiram a esse movimento) conseguiram seu objetivo: sacudir as estruturas artísticas tão convencionais e fazer todos pensarem (ou repensar) seu ofício e em sua forma e buscar uma identidade cultural. O mais curioso é que os holofotes e as polêmicas atraíram não só os artistas, mas os militares que passaram a ver Caetano e Gilberto Gil (seu grande amigo e companheiro na música) em grandes inimigos do país. Após a decretação do AI-5 ambos foram presos e convidados a se retirar do país. Um dos momentos mais marcantes do livro é justamente quando se explica que a música Expresso 2222 é uma despedida do Brasil... Aquele abraço! Quem amava o Brasil tinha agora que deixá-lo.
Essa leitura é fundamental para quem quer entender não só apenas esse momento de elevação da cultura brasileira e uma busca por identidade dela, mas também pra saber que Caetano não é o dono da verdade, já que ninguém é já que ela é apenas um ponto de vista, porém só ele pode falar com propriedade de momentos vivenciados por ele e tão importantes. Nada como saber a História através de sua própria fonte, não é mesmo? Viva a Tropicália!