Jana no Hibi: sua vida e sua obra que encantam pela força e determinação.
Essa é uma das entrevistas mais bonitas publicadas
aqui no Blog Luana Ensina. Trata-se da linda história de vida, de Jana
no Hibi, minha ex-aluna Janaína de 2006, na E.E. Profº Pedro Brasil Bandecchi, colega de turma de Fernando Rocha. Jana no Hibi é seu nome artístico
e significa "dias de Jana", inspirado num anime. A jovem artista de
25 anos se define uma artista em construção. É uma vencedora. Criada no Jardim
Nélia - extremo leste da capital paulista - enfrentou as dificuldades de viver
na periferia da maior cidade do Brasil, numa família chefiada por uma mulher
(sua mãe, de quem herdou a bravura e as forças pra lutar) Jana enfrentou
dificuldades e abusos numa infância sem muitos recursos e poucas
possibilidades. Muito estudiosa, tinha planos de reverter tudo isso ao terminar
o Ensino Médio, quando entraria na Universidade para ingressar nos estudos
superiores e no mundo. Porém, o destino lhe reservou uma surpresa na ocasião.
Na verdade, duas. Mãe aos 18 anos, Jana não desistiu dos planos e seguiu firme
em seu propósito de estudar para ter uma vida digna. Da Psicologia às Artes
Visuais, tem encontrado seu caminho ao levar cultura a menores em situação de
rua. Sua vida e seu caminho profissional demonstram que determinação e
perseverança levam o ser humano a atingir seus objetivos.
Luana Ensina - Qual a sua formação acadêmica e
artística?
Jana No Hibi - Me formei em Artes Visuais, pela
Universidade Cruzeiro do Sul. Entrei na faculdade pra estudar Psicologia,
gostava muito de ler e tinha bastante contato com as artes, porém eu não sabia - a gente não sabe do que gosta especificamente - quando mora na periferia. Não
temos muita orientação. Quando recebi uma proposta de bolsa de estudos e pude
escolher, pulei a Psicologia e me matriculei em Artes Visuais. Foi a melhor
escolha da minha vida, apesar de até hoje não ter o retorno, pois eu não segui
a licenciatura, que é minha formação. Resolvi me arriscar. Após algumas
tentativas de dar aulas, na mesma escola que eu estudei a minha vida toda,
desde a primeira série do ensino fundamental até o terceiro ano do ensino médio: a E.E. Profº Pedro
Brasil Bandecchi no extremo da Zona Leste de São Paulo. Eu não sei o que deu na
minha cabeça, mas eu voltei lá e não gostei da experiência, mas ainda não
desisti da licenciatura.
Luana Ensina - Não foi fácil chegar até aqui, não
é mesmo? Fale da sua origem e da sua gravidez precoce. Que sabor teve a
conclusão da sua faculdade diante disso tudo?
Jana No Hibi - Como tudo na minha vida parece uma
história fantástica e meio dramática: eu engravidei do meu namorado. Na época
eu era bem jovem e tinha acabado de terminar o Ensino Médio e tudo que queria
era ir pra faculdade. Quando recebi a notícia foi bem difícil, mas nunca
me faltou apoio, mas não era só uma gravidez, a coisa era mais especial, aos quatro
meses eu descobri que eram gêmeas! Nossa, mudou tudo! Inclusive minha situação
por dentro, eu me senti muito especial. Sempre fui muito sozinha, tenho um
irmão cinco anos mais velho, que passava o dia na rua, e minha mãe trabalhava
muito e sozinha pra manter a casa, éramos nós três, então nunca tive muita
orientação e minha mãe fazia o que podia. Sou muito grata a ela e assim como
ela eu aprendi que a vida não seria fácil, e se eu quisesse conquistar alguma
coisa na vida, teria que ralar muito, bem ai já me confortei: minhas filhas não
se sentiriam tão sozinhas como eu quando era pequena, onde cheguei até a sofrer
abuso e só vim recordar realmente bem mais tarde. Isso influenciou bastante
minha militância em prol da criança e do adolescente em vulnerabilidade social,
eu cresci nessa vulnerabilidade, e penso e me pergunto como apesar de tudo isso
pude ter algumas conquistas. Tive uma amiga da escola chamada Mônica que foi
essencial, até hoje temos projetos juntas como o Em Construção que
pretende exatamente isso contar às histórias das mulheres que crescem e
sobrevivem na periferia e ainda conseguem projetar mudanças. Na adolescência
éramos muito unidas e vivíamos inventando coisas pra fazer, como ir na
biblioteca do CEU Parque Veredas (no Itaim Paulista). Líamos muito e todo curso
de música, fotografia queríamos fazer e conversávamos bastante com professores
e educadores que nos influenciavam.
Luana Ensina - Fale mais a respeito do Projeto Em
Construção. O que ele objetiva?
Jana No Hibi - O Em Construção surgiu
porque nós queremos não só contar nossas histórias de luta de quem vive na
periferia e é mulher, sai pra estudar longe, muitas vezes, tem filhos e ainda
assim produz algo pra fazer a diferença. Temos bastante amigas assim e queremos
mostrar que elas existem e que resistem.
Luana Ensina - Como é o seu cotidiano de
trabalho? Você participa ativamente da promoção de eventos que levam cultura
aos menos favorecidos. Relate essa experiência.
Jana No Hibi - Hoje eu trabalho na área social, o
que me acrescenta bastante não apenas como profissional, mas também como
pessoa, apesar de não ser minha área específica. Trabalho com abordagem de
crianças e adolescentes em situação de rua. Criamos propostas de oficinas e
interações para nos aproximar e tentar mudar a vida dos meninos(as) que vivem
em situação de rua. Tenho bastante liberdade de criar e propor ações, pensar e
desenvolver ideias práticas e atividades. Meus projetos são meio que lazer, até,
porque na maioria das vezes, é o meio em que eu convivo, e assim como no
projeto Crie i Ative ou no Em Construção ou num desenho que forem
fazer e me chamar para ver, é tudo diversão. O Em Construção tem um
caráter mais documental e mostra a vida da mulher que participa e faz coisas na
periferia. Já o Crie i Ative é mais uma ação de interação e lazer,
ele propõe uma atividade que envolva desde a criança até o adulto, na construção
de algo como um instrumento musical ou um utilitário, a partir de coisas que às
pessoas jogam no lixo. E se me chamarem pra pintar, desenhar, fotografar ou dar uma oficina sobre essas coisas, eu tô dentro é assim: uma soma.
Luana
Ensina - Porque
se apaixonou pela Arte? O que ela representa pra você ou pra sua vida?
Jana No Hibi - Eu me apaixonei por arte e eu nem
sabia. Eu sempre quis fazer coisas diversas nada específico, eu sempre
gostei de experimentar tudo. A arte me deu essa possibilidade e ela nunca disse
que eu não podia. Eu trabalhei em algumas exposições durante a faculdade e
conheci muitos artistas. Muitos nem eram formados em artes, eram
matemáticos ou formados em direito ou arquitetura ou qualquer coisa, o mais
incrível é que todos tinham a compulsão de criar e fazer algo.
Minhas frases favoritas nas artes são "arte não
serve pra nada" você não vai comer, nem vesti-la, Nem morar
nela... a arte serve pra ativar o pensamento! Depois que a mente cresce ela
jamais retornará ao estado anterior."
A outra é que "a arte não precisa ser bonita pra ser
arte", e é isso ai, eu particularmente gosto muito da arte esteticamente feia,
gosto da bonita também, todo aquele barroco, e arte sacra ou pop mas a arte que
me toca mesmo são aquelas bem pesadas, tipo Caravagio até às influências de
hoje como umas performances malucas.
Luana Ensina - Quais os trabalhos que você
realizou que possuem maior significado na sua obra?
Jana No Hibi - Nas artes eu estou
sempre inventando algo, ela me dá essa liberdade de não me especificar e nem me
limitar, gosto de explorar tudo quanto for possível, tenho vontade de fazer ou
uma ideia vou lá e faço, acho que isso deve ser arte kkkk... Tenho o projeto
"Crie i ative" que está começando, e visa trabalhar a criação através
da arte e sustentabilidade para todas às idades. Acho que não tenho nenhum
trabalho específico, acho que estou em construção, mas tenho muitas coisas
desenhadas, fotografias, esculturas, pinturas, textos, essas coisas. A primeira
coisa pela qual eu tive compulsão e que me alivia, tira o peso da vida foi
escrever. Isso me ajuda até hoje.
Luana Ensina - Que dicas você poderia dar para
quem quer seguir carreira artística? E pra quem vê a maternidade chegar tão
cedo?
Jana No Hibi - Pra quem está, gosta ou pensa em
viver o mundo das artes, eu digo pra seguir o coração, porque arte é isso: é
fazer o que dá vontade. É ter liberdade. É pensar bastante em si e ao seu
redor, pois não somos seres isolados. Esse pensamento menos egoísta ajuda a
manter um pouco os pés no chão e isso é muito importante, mesmo que
ninguém entenda ou apoie o que você faz. Às vezes, a gente é chamado de
louco(a) mesmo, mas não desista e não se sinta sozinho. Sozinhos todos estamos,
mas afeição e respeito pelas idéias novas é difícil de achar. A maior parte das
pessoas não gosta do desconhecido ou coisas estranhas então algumas
pessoas certas irão se identificar com o que você faz, e vão de certa
forma te entender, mais em algum momento a nossa hora chega. É não desanimar
quando descobrir que a maior parte dos grandes artistas só foram reconhecidos
depois de mortos, (risos... ) o importante é sempre estar fazendo algo e nunca
esquecer quem a gente é e o que a gente quer.
Jana no Hibi com uma prima e suas filhas em Paranapiacaba.
A artista em ação fotografada por André Astro.
Em 2006 aluna do 2º ano do Ensino Médio com os colegas Fernando Rocha e Vanessa na E.E. Pedro B. Bandecchi nos cliques dessa professora.
Para saber mais:
·
Jana no Hibi fez o curso de Artes Visuais na
Universidade Cruzeiro do Sul em São Miguel Paulista na Zona Leste de São
Paulo.Seu curso foi uma licenciatura, o que a tornou professora de Arte.
·
No curso de Artes Visuais o aluno tem contato com
as teorias da Arte e as mais variadas práticas artísticas: pintura, escultura,
gravura, xilogravura, fotografia, cinema, etc.
Muito linda a entrevista. Foi bom conhecer um pouco mais da história de vida da Jana e o seus atuais projetos.
ResponderExcluirAchei muito interessante a resposta a última pergunta:
"Luana Ensina - Que dicas você poderia dar para quem quer seguir carreira artística? E pra quem vê a maternidade chegar tão cedo?
Jana No Hibi - Pra quem está, gosta ou pensa em viver o mundo das artes, eu digo pra seguir o coração, porque arte é isso: é fazer o que dá vontade. É ter liberdade. É pensar bastante em si e ao seu redor, pois não somos seres isolados. Esse pensamento menos egoísta ajuda a manter um pouco os pés no chão e isso é muito importante, mesmo que ninguém entenda ou apoie o que você faz. Às vezes, a gente é chamado de louco(a) mesmo, mas não desista e não se sinta sozinho. Sozinhos todos estamos, mas afeição e respeito pelas idéias novas é difícil de achar. A maior parte das pessoas não gosta do desconhecido ou coisas estranhas então algumas pessoas certas irão se identificar com o que você faz, e vão de certa forma te entender, mais em algum momento a nossa hora chega. É não desanimar quando descobrir que a maior parte dos grandes artistas só foram reconhecidos depois de mortos, (risos... ) o importante é sempre estar fazendo algo e nunca esquecer quem a gente é e o que a gente quer."
Em relação a fotografia. Eu acabei me apaixonando a partir do momento que iniciei um curso no CEU Pq. Veredas com a Jana No Hibi e a Mônica Oliveira em 2006, mas infelizmente não dei continuidade porque comecei a fazer um curso na Obra Social Dom Bosco e não consegui conciliar os dois cursos. Hoje estou retomando e tentando aprender um pouquinho.
A Mônica Oliveira foi destacada pela Jana No Hibi. Ela foi muito importante na nossa vida, graças a ela eu entrei no IFSP (na época CEFET-SP), comecei a prestar vestibulinho nas ETECs (na época ETE). Se ela não tivesse nos mostrado que havia outras possibilidades, talvez hoje não estaríamos onde estamos. Eu talvez nem estivesse cursando Geografia.
Obrigado Mônica Oliveira! :)
Sempre penso que a Arte é o melhor exercício pra condição educacional, é digna a ação de gerar e difundir a Arte, inclusive na periferia, o desenvolvimento humano segue essa condição. Que qualquer vertente artística possa ser difundida na periferia. Paz!
ResponderExcluirLinda história de luta e dignidade, achei motivadora a história de vida da Jana para muitas pessoas que desistem de seus sonhos, ou os vende pelo primeiro emprego miserável que aparece para no final descobrir que o que importava era ter coragem de realiza-lós. Parabéns pela coragem Jana! de seguir seus sonhos sem medo e tornar a vida desses meninos e meninas melhores pela arte.
ResponderExcluirO que mais me gratifica é ver que em comunidades extremamente vulneráveis, como a do Jardim Nélia, hajam Janas, Fernandos e Mônicas, gente que vai em busca de melhores condições de vida e que são espelho de mães valentes que jamais se acovardaram diante das dificuldades da vida. Parabéns Janaína sua vida é o melhor pagamento que eu poderia ter!
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